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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O tempo passa e reparo que o meu corpo mesmo coberto de cansaço não se rende. Já é tarde e quase me obrigo a ignorar os pensamentos e a tentar finalmente descansar.
Escuto cuidadosamente a chuva lá fora e não aguento estar mais um minuto naquele silêncio perfurante do quarto.
Talvez a noite traga realmente os nossos fantasmas e talvez esses fantasmas tragam as dúvidas.
Vou à porta, preciso mesmo de sentir o cheiro da chuva e num gesto quase automático puxo de um cigarro. Aqueles minutos em que disfrutamos de algo que só nos faz mal é apenas um pretexto para continuarmos a vadiar nos nossos desassossegos da alma.
Encostada à porta reparei nas gotas de chuva que me salpicavam os pés. Teimavam em cair sempre no mesmo sítio e acabavam por se perder no meio de tanta água. Talvez fizesse sentido eu chegar a essa conclusão porque também eu naquele momento me sentia uma gota que teimava em viver sempre a mesma situação.
Foste tu que me levaste até à porta, que me fizeste puxar por um cigarro e foste tu que me acompanhaste enquanto admirava a chuva a cair onde quer que fosse.
Eras tu que invadias o meu pensamento e te apoderavas dele mesmo quando eu tinha perfeita consciência que não o merecias. Insistias em atormentar-me enquanto tentava descansar e vagueavas silenciosamente na minha mente.
Sentia-me culpada por deixar que tu me possuisses assim e me perfurasses os desvaneios mais irreais que tomavam conta da minha alma.
Dei por mim com os pés molhados... já não os sentia. Mas e será que sentia mais alguma coisa a não ser a ausência de afectos e de gestos que falam ?! Iria ser ridiculo se tivesse que descrever naquele momento o que sentia. Talvez se resumisse... ao nada.
Enchia o peito desse nada e tentava ser uma outra qualquer gota que não fosse a que insiste em cair no mesmo sítio.
Não quero mais sentir saudades nem vontade de saber de ti. Larga-me a ansiedade e deixa-a partir para que desta forma eu tenha coragem para dizer que não te quero na minha vida.
Abandona os meus desabafos cansados e deixa-me ir. Deixa-me olhar para o céu e ver unicamente a minha vida e aquilo que pretendo dela, sem que para isso tenha de ver a tua imagem ao meu lado.
Devolve-me a liberdade de teimar em não ceder, devolve-me o orgulho e a força.
Não me chames para junto de ti... não me obrigues a repetir mesmo que no mais intimo pensamento, que nada faz sentido e que não posso fraquejar... mesmo sabendo que o farei.
Solta-me dos sorrisos partilhados e das palavras que trocamos diariamente...
Não te enroles em mim a desejar calor quando nem tu próprio sabes o que pretendes. Pensa que mesmo quando me pedes para não fumar... eu fumo... porque nada é como nós queremos, e tu... és o que eu quero, mas não da forma que eu quero.
Parou de chover, o cigarro apagou, vou descansar... de ti.
Fale baixo...a dor acaba de dormir.
Neste momento,
preciso de uma alma mentirosa,
piedade caridosa,
que só fale o que quero ouvir ...


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Anônimo disse...

Simplesmente lindo e muito profundo.